pede socorro
Depois de cruzar o Rio Paraíba, na região de Cachoeira
Paulista, em 21 de março de 1822, o grande naturalista Auguste de
Saint-Hilaire, em sua segunda visita à Província de São Paulo, escreveu:
"Quando se atravessa o rio avista-se, ao longe, a Serra da Mantiqueira,
cortada por imensas florestas, e a gente não pode cansar-se de
contemplar uma paisagem que tem, ao mesmo tempo, algo de risonho e
majestoso".
Atualmente, o que resta dessa paisagem está restrito a pequenos
fragmentos de floresta e de campos de altitude situados nos pontos mais
elevados dessa serra. O café e a incúria destruíram áreas de grande
relevância ambiental, muitas delas estabilizadoras de encostas e
fundamentais para a proteção das nascentes de água. A grande maioria
detentora de espécies de plantas e animais de inestimável valor para a
ciência e a economia.
O mais importante trabalho científico para a proteção da
biodiversidade de São Paulo, o projeto Biota, desenvolvido pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em cooperação com o governo do
Estado, indicou a necessidade de proteção de um corredor ecológico na
Serra da Mantiqueira como ação prioritária para a conservação de
espécies ameaçadas.
Aí estão raros remanescentes de florestas de araucária, campos de
altitude e vegetação rupestre criticamente ameaçados e em acelerado
processo de destruição. Aí estão também os simpáticos, importantes e
ameaçados macacos muriquis. O maior das Américas, o muriqui é símbolo da
conservação da natureza no Brasil. Aí vivem ainda outras espécies de
primatas de relevância ambiental e se podem contabilizar decrescentes
populações de felinos e outros bichos. Muitas das espécies de plantas e
de fauna dos campos de altitude são endêmicas e só existem nesse local.
Muitos desses campos de altitude estão sendo destruídos e transformados
em pastagens com capins estrangeiros agressivos.
Corredores ecológicos são a forma mais segura de alcançar a proteção
da biodiversidade, mormente em climas tropicais onde a vida, se
permitirmos, desabrocha espontânea e impetuosa. Espécies de aves,
insetos e outros animais praticam a transumância natural na Serra da
Mantiqueira, migração periódica entre as partes baixas e altas, conforme
as variações do clima dos invernos para os verões. O corte desregrado
das matas dessa serra já afetou de forma irreversível esse processo na
maior parte da conexão entre as partes baixas e altas em seu território.
Já temos, no Brasil e no Estado de São Paulo, alguns corredores
ecológicos de importância primordial. A proteção da Serra do Mar por
parques, reservas e o bem-sucedido tombamento da totalidade de seus
remanescentes naturais, promovido pelo governador Franco Montoro, e uma
Reserva da Biosfera reconhecida pela Unesco como projeto exemplar são
cruciais para a defesa dessa que é a mata tropical mais ameaçada do
mundo. Por que até hoje não temos o corredor de proteção da Serra da
Mantiqueira?
É incompreensível! São os últimos fragmentos da vilipendiada Mata
Atlântica que ainda não receberam a devida atenção das autoridades.
A Serra da Mantiqueira está também intimamente ligada à saga do
bandeirismo. Foi a transposição da Mantiqueira pelos paulistas que
revelou o ouro das Minas Gerais. O Brasil passou a existir como nação
após a ampliação de sua importância econômica, que se deu como um salto
depois dessa descoberta, resultado da ultrapassagem da serra.
Ali está o túnel ( ferroviário ) da Garganta do Embaú (entre Passa Quatro - MG e Cruzeiro - SP) , onde se travou batalha
histórica durante a Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932.
A Serra da Mantiqueira é uma das mais belas paisagens do Brasil.
Abriga o Pico da Mina, o ponto mais alto de todo o Estado de São Paulo. É
um monumento geológico de significado planetário, a parte mais elevada
dos remanescentes físicos da separação da África da América do Sul. Ali
estão também, entre muitos outros, o Pico do Itaguaré, a Serra dos
Marins, a Pedra do Baú a requerer atenção e proteção.
A Mantiqueira é um dos locais mais apropriados para o desenvolvimento
do ecoturismo, em harmonia com a proteção da natureza de todo o País.
Abriga populações tradicionais com costumes e cultura que remontam às
origens de São Paulo. Cada dia mais raras, danças, rezas, doces,
cozidos, rapaduras, folias, crenças ainda persistem em suas encostas e
seus grotões. Nosso passado cultural pode ser visualizado nesses grupos,
que hoje são expulsos pela especulação imobiliária e se dispersam na
periferia das cidades vizinhas.
Da Mantiqueira escorrem as fontes que alimentam o "Reino das Águas
Claras" de Monteiro Lobato.
A água da Mantiqueira é fundamental para o Vale do Paraíba e para a cidade do Rio de Janeiro, e suas nascentes estão sendo destruídas e secando.
A água da Mantiqueira é fundamental para o Vale do Paraíba e para a cidade do Rio de Janeiro, e suas nascentes estão sendo destruídas e secando.
As notícias que chegam de todos os quadrantes são as mais
desanimadoras. O processo de criação de um parque nacional engavetado
pelo Instituto Chico Mendes, estudos de proteção estadual paralisados,
enquanto a destruição prospera.
A conservação da natureza no Brasil chega ao seu ponto mais crítico,
enquanto governam pessoas que se apresentaram como os representantes
mais aguerridos da defesa do meio ambiente.
O clamor que tomou as ruas do Brasil no último outono teve alvos
variados e o tom comum de um basta à inércia com que os esquemas
decisórios tratam os assuntos que realmente interessam aos brasileiros.
As pessoas em posições - chave precisam acordar para as suas
responsabilidades diante da (des)governança territorial.
O Estado de S.Paulo
20 de novembro de 2013 | 2h 10
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